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O novo livro do Prémio Nobel português, em que evoca a infância e a adolescência, As Pequenas Memórias (Editorial Caminho), estará à venda na sexta-feira, 10, e será lançado na aldeia natal do autor, a ribatejana Azinhaga, no próximo dia 16, em que completa 84 anos de idade. O JL, que tem dado a conhecer, em primeira mão, os últimos romances do escritor, volta a fazê-lo com estas suas "pequenas memórias", sobre as quais o entrevistamos. Além disso, Maria Alzira Seixo, especialista da obra saramaguiana, já leu e analisa o livro, do qual antecipamos ainda significativos excertos

Continua em forma e igual a si próprio, José Saramago. Um ano depois da publicação do excelente romance As Intermitências da Morte, e dois anos e meio após o interventivo, estimulante e polémico Ensaio sobre a Lucidez, dá a lume um livro de que há muito me falara, numa das várias entrevistas que lhe fiz e de certo modo têm acompanhado a sua obra, desde pelo menos A História do Cerco de Lisboa (1989). Um novo livro que, correspondendo às expectativas, nos dá as raízes, e pode ajudar bastante a compreender a personalidade, do homem e escritor que aos 84 anos mantém a intensa actividade e combatividade, a vários níveis e em várias frentes. Por exemplo, em França, onde acaba de sair a tradução de Ensaio sobre a Lucidez e se discute a "tese" que defende no romance e sustenta em entrevistas como a que deu a Le Nouvel Observateur; ou em Itália, onde uma afirmação sua, a de que o Mundo seria muito melhor sem Deus ("Deus não existe nem ninguém acredita que exista: o que há é o factor Deus", diz-me), provoca diversas reacções; ou em Espanha, onde participa numa série de programas contra a "globalização totalitária"; ou, decerto, no México, onde vai após o lançamento deste novo livro; etc.,etc.

Também disto e da sua visão sempre pessimista, mas inconformista, do mundo, falamos, com em outras oportunidades. Desta vez, porém, da nossa longa conversa (sexta-feira, 3 de Novembro, chovia muito) retiro para a entrevista apenas o que tem a ver com As Pequenas Memórias e, marginalmente, a adaptação ao cinema de Ensaio sobre a Cegueira. Ao contrários das três últimas duas delas no seu apartamento de Madrid, a terceira na sua casa em Lanzarote esta entrevista decorreu em Lisboa, na pequena moradia que Saramago agora tem, num central bairro discreto, que foi de renda económica. Pequena moradia sem jardim, só com hall, sala e dois quartos (mas, na rua, quase em frente, um belo plátano que o escritor muito aprecia), construção dos anos 30 ou 40, recuperada interiormente com bom gosto sem alardes, à maneira da mulher do escritor, Pilar del Rio, que como de hábito é quem colabora com a Junta de Freguesia da Azinhaga e com o editor e amigo Zeferino Coelho, da Caminho, na organização do invulgar lançamento do dia 16.

Como é que O Livro das Tentações se 'transformou' neste As Pequenas Memórias?

A intenção de escrever umas memórias da infância surgiu-me quando andava às voltas com o Memorial, talvez mesmo antes, embora de forma vaga... ... Dizias que era o teu projecto mais antigo. Exactamente. Eu pensava: quero saber quem era aquele miúdo, reconstruí-lo, recuperá-lo. E comecei a escrever há páginas neste livro que têm quinze ou vinte anos. Mas depois surgia-me uma ideia nova para um romance, e lá ficavam as memórias de lado. Desta vez decidi-me, e aí está.

Quanto à 'transformação'?...

A ideia inicial, uma velha ideia minha, era que na infância o mundo se nos apresenta todo como uma tentação. E também, intuição lateral mais ou menos contemporânea do Memorial, que a santidade perturba a natureza, confunde-a. Mas percebi rapidamente que não saberia desenvolver aquilo a que muito tempo depois comecei a chamar "teratologia da santidade". Não tinha unhas para tocar aquela guitarra. Para fazê-lo precisaria de estudar muito, trabalhar muito. Além disso, era consciente de que me faltavam 'bases'. Talvez a razão de que o livro tivesse levado tanto tempo a escrever esteja precisamente na resistência a aceitar o único título que então se me apresentava...

Mas essa ideia mudava completamente a de escreveres umas memórias da infância, ou não tinha nada a ver com ela. Seria um livro de "tese".

Claro. Por isso pus de lado um projecto para que me faltava e continua faltar competência, e virei-me para o que estava ao meu alcance e que só eu poderia fazer: contar o que tinha vivido quando não era mais que uma criança ou um pré-adolescente tão perplexo como ela diante do mundo. Mesmo que isso só tivesse importância para mim.

Um desejo também, então, de continuar ou perpetuar um mundo que já não existe?

Exactamente. Por exemplo, o meu primo José Dinis. Era um tipo levado dos diabos, que enfrentava tudo à porrada, com quem eu, no fundo, me entendia bem, mas com quem andava sempre à bulha, mais por culpa dele, que tinha a ideia fixa de que eu lhe roubava as miúdas. Não sei se alguém ganha alguma coisa em conhecer coisas acerca desse moço, mas a mim dá-me satisfação, conforto, alegria, de que esteja nestas páginas. Pelo menos vai ficar a saber-se que comemos no Tejo a mais esplendorosa melancia que alguma vez existiu. Foi a mesma sensação que tive quando comecei a escrever as crónicas em que aparecem o meu avô, a minha avó, os meus pais: estou a restituir-lhes a vida! Não tem importância nenhuma? Para mim tem toda.

O que também deve ter tido alguma coisa de doloroso.

Sim, este não é um livro de uma infância feliz, ou quase sempre feliz. Em primeiro lugar porque o meu temperamento já ia então noutras direcções: melancolia, solidão, silêncio. Depois, aquilo era uma vida dura que não dava grandes motivos para sorrir.

Nesse aspecto, julgo que o livro, além do que representa para ti, e como "literatura", é um significativo testemunho sobre um país e uma época.

Não faço história. Deixo informações pessoais, mas na imprensa da época não faltam referências de carácter que desenham o quadro com suficiente, ainda que às vezes involuntária, precisão.

Testemunhos assim sobre as condições de vida, acho que não se encontram.

Sob esta forma, creio que não, mas não faltam os romances cujos autores tomam, como base ficcional de princípio, a infância que viveram. Dou um só exemplo: João de Melo em Gente Feliz com Lágrimas.

Estas "memórias" têm alguns aspectos familiares, certos episódios, que imagino não te deve ter sido fácil evocar e contar...

De facto, duvidei se devia ou não tocar em certas coisas. Toquei, está tocado, não sei se fiz bem ou mal.

Referes-te sobretudo a questões relacionadas com os teus pais, que têm uma presença no livro muito inferior à dos teus avós maternos?

Não. Se os meus pais têm menor presença, isso deve-se a ser a aldeia o "foco" do livro. Desde o seu arranque: "À aldeia chamam-lhe Azinhaga". Tal não significa que tivesse uma má relação com os meus pais, de maneira nenhuma. O meu pai, que era polícia (esteve na I Guerra, como soldado de Artilharia, viu que se podia viver sem estar a vida inteira agarrado ao cabo de uma enxada e conseguiu entrar para a Polícia, que era então, com a Carris, um mercado de mão-de-obra de acesso fácil). O meu pai, numa época em que era usual os pais baterem aos filhos, uma vez só me deu uma bofetada. Injusta e que foi para mim uma humilhação que nunca mais esqueci, como conto no livro. Talvez ajude melhor a entender as coisas saber que o meu único irmão morreu poucos meses depois da minha mãe, ele e eu termos vindo para Lisboa... ...

Tinhas?...

Menos de dois anos, e o meu irmão quatro. Foi um golpe duríssimo para os meus pais. E a minha mãe endureceu com a morte do filho. Então a relação entre ela e mim, embora nada conflituosa, tornou-se um pouco difícil (do que talvez ela não tivesse consciência), porque era como se ela não quisesse mostrar os seus sentimentos, num acto instintivo de defesa, temendo que me pudesse suceder o mesmo. Passou a haver na minha mãe uma certa... não era frieza... Secura... Isso mesmo, secura. E eu sofria com isso, porque sempre fui um miúdo sentimental.

Disse "secura", a pensar que muitas vezes me dá a impressão que também há em ti essa secura, ou que cultivas a aparência dela para esconder ou disfarçar sentimentos e emoções. Será influência dessa relação com a tua mãe?

É possível. Quem se conhece por dentro sou eu (Pilar também), e o que sou não corresponde à imagem que de mim fabricaram e para a qual também posso ter contribuído sem me aperceber: a de um tipo seco, antipático, cara fechada, orgulhoso, até vaidoso, como me têm chamado de todas as formas e feitios. Essa atitude da minha mãe pode ter contribuído. Mas o meu pai, um dia, em circunstâncias familiares complicadas, relacionadas com um dos meus tios, teve um desabafo e disse-me: "Tu sim, que sempre foste um bom filho". Há luzes e sombras.

Que são nítidas nas "pequenas memórias".

Com certeza. Por exemplo, achei que não podia omitir, embora sem entrar em pormenores, os maus tratos de que minha mãe foi vítima durante um certo período. Tinha de deixar esse 'recado' num tempo em que os maridos matam as mulheres como se fossem caça este ano já foram assassinadas mais de 60, em Espanha, em Portugal não sei. Daí que eu tenha lançado a ideia de organizar manifestações só de homens para protestarem. Eles, contra a violência doutros homens. Já se fez uma em Sevilha, e tenho notícia de que vai haver outras em 20 cidades do Uruguai. É um exemplo, que pode transformar-se um rastilho para que se torne mais visível a gravidade do problema. Para não lhe chamar monstruosidade.

O que disseste em relação ao teu primo José Dinis, por maioria de razão se aplica aos teus avós e ao teu irmão. Quanto ao teu irmão, andaste mesmo pelos arquivos para encontrar os registos da sua entrada e internamento no hospital, assim como da sua morte, não é?

Andei, e sem essa experiência talvez não tivesse podido escrever Todos os Nomes. O meu irmão Francisco, que só viveu quatro anos, foi arrancado -do olvido para tomar, de alguma forma, um lugar na ribalta. É como se eu dissesse: andam por aí a aplaudir-me, mas olhem que eu tenho uma tribo atrás de mim e já é tempo de que a conheçam.

No livro sublinhas muitas situações que constituíram para ti lições de vida...

Sim, como o caso da minha tia Maria Elvira, que quando eu chamei "pezuda" a uma vizinha, e fiquei com medo do marido, que tinha fama de violento, me disse: "Ficas aí sentado nas escadas, onde ele te veja, quando voltar a casa. Se te quiser bater, então eu trato disso".

O foco das memórias é a aldeia, a Azinhaga, como acentuaste. Mas apesar disso, o livro também fala da tua vida em Lisboa. O que se nota é que sempre continuaste a ser um rural. A cidade era para ti uma espécie de lugar de exílio?

Seria desajustado dizer que ainda sou um rural, vivendo a vida que vivo. Mas é certo que cá por dentro, em espírito, se a palavra tem sentido aqui, ainda o continuo a ser. Foi isso também que me levou a escrever sobre a minha infância, quando a ruralidade em mim era absoluta, quando eu era o miúdo que chegando à Azinhaga tirava os sapatos e só os voltava a calçar às vezes com dificuldade, porque os pés tinham crescido quando tinha de voltar para Lisboa.

A Azinhaga era o teu paraíso, hoje perdido?

Não era o paraíso, porque eu não sabia o que era o paraíso. Digamos que era o mundo. O que eu podia saber do mundo, de maneira directa, numa vivência total. Era a sensação, que ainda hoje sinto ao recordá-la, de andar descalço no lodo do rio, de que falo num conto de Objecto Quase, era a bicharada, as árvores (choupos, freixos, salgueiros), o rio, a água, a pesca, a velha casa dos meus avós, o quintal, os porcos, tudo isso.

Falas a certa altura do poder reconstrutor da memória e de invenção. Mas a mim, como leitor, se há "invenção" neste livro, parece-me que é só a pequena invenção necessária para tornar a realidade mais real.

Era impossível evitar que interviesse ou interferisse nestas memórias o que eu sou, faço ou imagino hoje. A Maria Alzira refere um momento desses, quando escrevo que "não creio que exista no mundo um silêncio mais profundo do que o silêncio da água". Creio que nesse caso e noutros similares se trata de verbalizar o que na infância ou adolescência ainda não se conseguia verbalizar, dar às coisas os nomes que então não se sabia elas terem... Nós sabemos que a memória não é muito de fiar, ou não o é sempre. Muitas vezes é acomodatícia, concilia-se ou deixa-se conciliar com os nossos desejos, mesmo que não os manifestemos. De qualquer forma, os sucessos mais importantes de que o livro fala sempre me acompanharam ao longo da vida, não foi preciso 'escavar' na memória. Em todo caso sempre teria de haver uns pontos ou pormenores esquecidos, que ela teve de completar. É como se trabalhasse a dois tempos. No primeiro dá-nos aquilo que tem, que pode mostrar logo. No segundo como que reconsidera alto, há aqui mais alguma coisa que não mostrei e trabalha para completar o quadro.

É o tal poder reconstrutor da memória.

Exactamente.

Como vimos, já tinhas regressado à infância, à Azinhaga, aos avós, nas crónicas. Mas onde o fizeste pela primeira vez com, digamos, grande visibilidade e impacto, de forma até emocionante para quem, como eu, é português, teu amigo e estava lá, foi em Estocolmo, ao receberes o Prémio Nobel. Porquê?

Primeiro, porque me disseram que tinha de pronunciar um discurso de 40 minutos, e eu perguntei-me, nervoso, agora o que é que vou fazer? Ocorreu-me então essa ideia. Antes ainda do Nobel, ao ter de proferir a intervenção de abertura de um Congresso, com muitos milhares de professores, em São Paulo, falei de improviso sobre uma questão que então me preocupava e continua a preocupar: a perniciosa confusão entre dois conceitos que pouco têm a ver um com o outro, o de educação e o de instrução. Lembro-me de ter feito esta pergunta à assistência: uma família de analfabetos pode educar? E deste a resposta... Claro que pode. Educar é inculcar valores, instruir é transmitir conhecimentos. Não estou a defender o analfabetismo, obviamente, mas os meus avós, que eram o que eram, com a sua forma de ser e de viver, e provavelmente sem terem essa intenção nem sequer consciência disso, deram-me lições que ainda me servem. Quando hoje, com 84 anos, digo que continuo a ser o neto dos meus avós, o neto do meu avô Jerónimo e da minha avó Josefa, pode até parecer um retrocesso infantilista, mas é disso que falo, das raízes mais autênticas que me ligam ao passado. Ao dizer na Academia Sueca que o homem mais sábio que conheci não sabia ler nem escrever, mesmo que isso não fosse inteiramente verdade, e não era, conheci outro homens igualmente sábios... ...Que sabiam ler e escrever ... E muito mais. Com isso de ir à Academia Sueca dizer que o homem mais sábio que conheci não sabia ler nem escrever, o que quis significar foi: "Está aqui um tipo a quem deram o Prémio Nobel, é preciso que saibam donde esse tipo veio e não vou dourar a pílula nem fazer de conta de que sou descendente de uma duquesa.". Ainda agora, quando penso nos meus avós, aqueles dois velhos, cada um de seu lado da cama e dois ou três bacorinhos dos mais delicados, dos mais frágeis, a dormir no meio deles, dá-me vontade de chorar. Quem viveu coisas como estas não pode esquecer. Eu sou aquilo, de certa maneira continuo a ser aquilo. E não me perguntes o que é "aquilo" porque foi isso que tentei explicar neste livro.

Quando falavas antes do Livro das Tentações referias que iria até aos 16/17 anos, mas afinal ficaste nos 14, apenas contas um episódio dos 15 anos e, na última página, outro dos 16. Porquê?

Eu queria escrever sobre a infância, de certo modo prolongando-se na adolescência. Com 16/17 anos já é outra coisa. Quanto a esse último episódio, da mulher que surpreendi com outro homem, não o seu, talvez um tractorista, que me veio dizer que ela, "mulher asseada", se queixara de que eu conhecia o marido e o iria avisar (claro que não o fiz), pareceu-me a melhor forma de terminar o livro.

Nas linhas finais, escreves: "O homem acendeu um cigarro, soltou duas baforadas, depois deixou-se escorregar do valado e despediu-se: 'Adeus'. Eu disse: 'Adeus'. A mulher tinha desaparecido de vez. Nunca mais tornei a ver o lagarto verde." O que te parece a interpretação da Maria Alzira sobre os lagartos?

É uma das coisas que o autor não vê, mas outros podem ver. Eu tenho sempre muito presente a leitura que a Maria Alzira fez, e me explicou a mim várias coisas, do uso da janela da casa do revisor da História do Cerco de Lisboa, num ensaio absolutamente extraordinário. E, curiosamente, esta sua interpretação sobre os lagartos lembrou-me que no prólogo a catálogo de uma exposição da Armanda Passos, que usa muito a bicharada nos seus quadros, escrevi que a imagem de um lagarto sobre o ombro de uma pessoa podia ser um símbolo da paz... Tens uma especial predilecção por lagartos? No jardim, lá em Lanzarote, há uns quantos, são como uma espécie protegida, ninguém lhes toca. O meu cão "Camões" não está muito de acordo e, por mais que se lhe diga, às vezes o instinto vence e lá anda ele a perseguir sobretudo as lagartixas. Suponho que os lagartos o intimidam um pouco. São pequenas histórias que a Maria Alzira desconhece e acabam por contribuir para justificar o que escreveu.

Em Março de 2004, antes da publicação de Ensaio sobre a Lucidez, quando te perguntei pelo Livro das Tentações, que se converteu neste Pequenas Memórias, depois de lembrares que era o teu projecto mais antigo, acrescentaste: "Temo que seja o meu último livro e por isso o vou sempre adiando...". Perdeste esse receio?...

Bom, neste momento não tenho nenhuma ideia de nada, ou melhor: tenho uma ideia que não serve, vou ver se amadurece e o que dá. Mas também te digo que se não escrevesse mais nada, esta seria uma boa forma de concluir: juntar o fim com o princípio. Era como se este livro fechasse um ciclo vital e literário. Mas espero viver mais uns anos e creio que tenho mais algumas coisas para dizer. Só que ainda não se me 'apresentaram'...

Ainda não tiveste um daqueles 'alumbramentos' que têm desencadeado os teus últimos romances (e já parece um 'alumbramento' desses aquela faia a cobrir-se de branco, que te leva a escrever (ler pré-publicação) "foi um instante, nada mais que um instante, mas a lembrança dele durará o que a minha vida durar")...

Pois é.

O filme de Fernando Meirelles

Encontraste-te há dias, aqui em Lisboa, com o Fernando Meirelles, que será o realizador do filme Ensaio sobre a Cegueira. Como estão as coisas?

As filmagens devem começar em Junho de 2007 e terminar em Setembro. Os exteriores serão rodados em São Paulo, mas de maneira que a cidade não seja identificada, e os interiores em Toronto, num antigo asilo que já foi quartel e tem todas as condições necessárias. Trata-se de uma produção canadiana, brasileira, japonesa (o Japão é que entra com mais dinheiro) e inglesa, com um orçamento de 20 milhões de dólares.

Os actores já estão escolhidos?

Ainda não. Mas parece que há muitos actores interessados em fazer o filme, e um deles nem imaginas quem é: o Brad Pitt.

Já leste e deste o teu acordo à adaptação?

Já, já. A adaptação é de um canadiano, também realizador, li-a, em tradução espanhola, e aprovei-a, parece-me bastante bem. Mas estou muito consciente que não se pode passar um romance de 300 ou 400 páginas para um filme, e um filme de hora e meia ou no máximo duas horas. Há coisas que têm de desaparecer, como as opiniões ou reflexões do autor; o que aparece é que tem de suprir a falta do que lá não está. A experiência da Jangada de Pedra, embora séria, não foi inteiramente feliz, se calhar por ter querido ser de demasiado fiel ao romance.

As tuas relações com o Fernando Meireles (um magnífico realizador, como mostrou em A Cidade de Deus e O Fiel Jardineiro), são boas e confias no seu trabalho?

Não o conhecia pessoalmente. Mas confio e ele está muito animado. Há já meia dúzia de anos ele quis fazer um filme exactamente sobre esse meu romance, mas eu disse que não, na altura dizia que não a tudo. E agora, por uma incrível coincidência, foi convidado a fazê-lo pelos produtores, que não sabiam disso. Vamos lá a ver.



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Esta entrevista foi publicada na edição 942 do Jornal de Letras de 8 de Novembro de 2006. Depois publicada na web no site da Revista Visão.